Irritou-se com ele. Levou alguns dias pensando em tudo o que diria. Encontrou-o decidida a cortar os tes. e pingar os is. As amenidades entraram como preâmbulo para a conversa decisiva. Foi aí que a mão dele tirou do bolso uma caneta, aquela mesma que ela lhe havia dado. Começou a traçar riscos no guardanapo de papel. Olhava fascinada os gestos dele: A mão fazia o traço, rápida, virava o papel, fazia mais traços. Guardava a caneta para retirá-la em seguida, com novos ângulos a serem explorados. A voz dele, melodiosa, acompanhava com histórias os rabiscos que surgiam. Sucederam-se outras cenas, visões dele fazendo exatamente isso, reais e imaginadas. A mente dela se esvaziou por completo. Ainda que buscasse tudo o que viera discutir, nada mais lhe ocorria, mergulhada nesse espaço feito somente de sensações. Sentiu-se inundar por um riso quente que dissolveu qualquer mágoa ou restrição. O corpo ficou leve, descontraído, relaxado. A alegria se espalhou como ondas que vibravam por todo seu ser.
Voltou para casa em estado de graça entretanto, perplexa. Sua mente tão ágil e inquisitiva pregara-lhe uma peça. Ocorreu-lhe então, rindo, o conto do Rubem Alves, onde a mulher fica hipnotizada pela cebola, a ponto de nada mais existir. Mas, como ele tão bem coloca no texto, não enlouquecera, virara poeta, fascinada pela mão que rabisca traços no guardanapo de papel!
Foi assim que a cena foi para seu baú de tesouros, juntar-se há tantas outras vividas com ele, preciosamente guardadas ali, bem dentro do seu coração.
Escrito por Virginia
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