APARIÇÃO AMOROSA
Carlos Drummond de
Andrade
Doce fantasma, por que
me visitas
como em outros tempos
nossos corpos se visitavam?
Tua transparência
roça-me a pele, convida
a refazermos carícias
impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de
rosto consumido.
Mas insistes, doçura.
Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo
timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo
arquejo
em que te esvaías de
prazer,
e nosso final descanso
de camurça.
Então, convicto,
ouço teu nome, única
parte de ti que não se dissolve
e continua existindo,
puro som.
Aperto… o quê? a massa
de ar em que te converteste
e beijo, beijo
intensamente o nada.
Amado ser destruído,
por que voltas
e és tão real assim
tão ilusório?
Já nem distingo mais
se és sombra
ou sombra sempre
foste, e nossa história
invenção de livro
soletrado
sob pestanas
sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como
hoje o sei
de enlaçar o vapor
como se enlaça
uma idéia platônica no
espaço?
O desejo perdura em ti
que já não és,
querida ausente, a
perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os
mortos
o mesmo ardor tivessem
de outros dias
e no-lo transmitissem
com chupadas
de fogo aceso e gelo
matizados.
Tua visita ardente me
consola.
Tua visita ardente me
desola.
Tua visita, apenas uma
esmola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário