terça-feira, 31 de agosto de 2010

Clarice Lispector

"Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente."
Clarice Lispector

domingo, 29 de agosto de 2010

Mulher


Relato de uma nobre mulher da Abissínia, registrado pelo etnólogo Leo Frobenius:

Como pode um homem saber o que é a vida de uma mulher? A vida de uma mulher é muito diferente da do homem. Deus ordenou que fosse assim. O homem é o mesmo desde o momento da sua circunsição até o fim de seus dias. Ele é o mesmo antes de ter conhecido uma mulher pela primeira vez, e depois. Mas o dia que a mulher goza o seu primeiro amor divide-a em dois. Ela se torna uma outra mulher nesse dia. O homem é o mesmo depois do seu primeiro amor como era antes. A mulher é, a partir desse dia, outra. Isso continua para o resto da vida. O homem passa uma noite com uma mulher e vai embora. Sua vida e seu corpo são sempre os mesmos. A mulher concebe. Como mãe, é uma outra pessoa que a mulher sem filhos. Ela traz consigo o fruto da noite por nove meses no corpo. Algo brota em sua vida que jamais a deixará. Ela é mãe. Ela permanecerá mãe mesmo que seu filho morra, mesmo que todos os seus filhos morram. Pois em um momento ela carregou um filho sob seu coração. E jamais volta a deixar o seu coração. Nem mesmo quando está morto. Nada disso um homem conhece, ele nada conhece. Ele não sabe a diferença entre antes do amor e depois do amor, antes da maternidade e depois da maternidade. Ele nada pode saber. Somente uma mulher pode saber e falar disso. É por isso que não aceitamos que nossos maridos nos digam o que fazer. A mulher só pode fazer uma coisa. Ela pode se respeitar. Ela pode se manter decente. Ela deve sempre ser como a sua natureza é. Ela deve ser sempre donzela e sempre mãe. Antes de cada amor ela é donzela, depois de todo amor ela é mãe. Nisso se pode ver se ela é uma boa mulher ou não.
Extraído do livro: A deusa interior, de WOOGLER, Jennifer e Roger.
Pintura: Claude Monet


NASRUDIN E OS CABELOS BRANCOS



Nasrudin era criança.Perguntou ao pai:
“Porque é que o seu cabelo está ficando branco?”
“Por causa de filhos como você. De seus atos e perguntas, quer difíceis, quer extravagantes.”
Ah!, percebo.
Por isso os cabelos do vovô são todos brancos.”


Caricatura- Fialho de Almeida

sábado, 28 de agosto de 2010

Ritual da dança da chuva



O ritual da dança da chuva é parte de uma cerimônia aonde são invocados os espíritos da terra e dos antepassados para trazer a chuva como também assegurar a fartura na colheita, a fertilidade da terra e espantar os espíritos que vivem perdidos pelo mundo.Na maioria dos rituais, os "dançarinos" personificam um ou mais espíritos-um poder superior-que é expressado na dança através de gestos e movimentos cadenciados e ritmados. Os instrumentos utilizados são chocalhos de vários tamanhos e tipos, flautas e tambores. Essa dança é usada para trazer a chuva e limpar a terra dos espíritos malignos.

Vamos fazer? Humidade do ar em menos de 15%, ando literalmente sedenta de sentir, ver e ouvir a chuva caindo manso....

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Guimarães Rosa


"a gente carece de fingir as vezes que raiva tem mas raiva mesmo nunca se deve de tolerar ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é."

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

José Saramago

"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória."

quarta-feira, 25 de agosto de 2010


"Muitas jornadas heróicas envolvem a passagem por lugar escuro - através de cavernas nas montanhas do mundo das trevas ou passagens labirínticas para, finalmente, emergir na luz. Tanto nos mitos como na vida, a viajante precisa permanecer em movimento, manter-se em atividade, fazer o que tem que ser feito, manter contato com suas companheiras ou conduzir-se sozinha, para não parar e desistir, até mesmo quando se sente perdida, para ter esperança na escuridão.

Tanto no mito como na vida, quando a heroína está num dilema, tudo que pode fazer é ser ela mesma, fiel a seus princípios e lealdades, até que alguma coisa inesperada venha em sua ajuda."

As deusas e a mulher - Jean Shinda Bolen

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Estória de criança


Um menininho chega todo feliz para a Gabi e diz assim:
_ Sabe aquele cara, o Jesus? Descobri que foi ele quem inventou o natal!

Demais né?

Primavera chegando...

Mamãe veio aqui em casa domingo e me disse:
_ Como está sofrida essa samambaia.
Ela tem razão, como sempre. De observação aguçada e astuta, difícil mesmo é esconder algo dessa mulher incrível. Dona de uma intuição precisa, com a habilidade de um cirurgião, ela pontua, mostra, aponta...
Resolvi podar a samabaia, sem dó. Apaguei todo o sofrimento dela, com a confiança de que agora ela vai encontrar forças para renascer, radiante e saudável.
É só lembrar da Cecília:
"Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira."

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Amor líquido

Foto de German Lorca -Chuva


Amor líquido

Amor de chuva
caindo manso ao selar o primeiro beijo.
Embrenhando-se em cada fresta,
excessivamente moldado
aos contornos oferecidos
pela vida.

Amor suado
brotando abundantes sumos
fertilizando, verdejante
o pleno florescer.

Amor de lágrimas
escorrendo em janelas espessas e frias
na busca da secreta fonte
da água da vida.

Escrito por mim...

sábado, 21 de agosto de 2010


"O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede. Conheço um que já devorou três gerações da minha família" -

Mario Quintana

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Cecilia Meireles - Desenho




Desenho


Traça a reta e a curva,
a quebrada e a sinuosa
Tudo é preciso.
De tudo viverás.

Cuida com exatidão da perpendicular
e das paralelas perfeitas.
Com apurado rigor.
Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,
traçarás perspectivas, projetarás estruturas.
Número, ritmo, distância, dimensão.
Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.

Construirás os labirintos impermanentes
que sucessivamente habitarás.
Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.
Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais.

Imagem: Alfredo Volpi

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Rumi



A mente é um oceano


A mente é um oceano.
Quantos mundos ali girando,
misteriosos, apenas vislumbrados

Como uma taça
flutuando no oceano,
assim é nosso corpo.

Há de se encher e ir ao fundo,
sem que nenhuma bolha
assinale o lugar em que repousa.

O espirito está tão próximo que não o vês.
Busca-o! Evita ser o cantato cheio d´agua
cuja boca esta sempre seca.

Não te pareças ao cavaleiro
que galopa noite a dentro
e não vê a própria montaria.

Acordei com esse presente do Marcucho em minha caixa postal. E além disso é quinta, de Muskil Gusha, que bom!
A foto é minha, tirada no cruzeiro pelos mares do sul...





terça-feira, 17 de agosto de 2010

Olavo Bilac


Velhas Árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo.
Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
Foto: meus filhos no Jardim de Boboli em Firenzi

domingo, 15 de agosto de 2010

Guimarães Rosa

"A lembrança da vida da gente se guarda em diversos trechos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisa de rasa importância. De cada real vivimento que tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquelas hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido, desgovernado. Assim eu acho, assim eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe."
Grande Sertão: Veredas

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Idries Shah – Buscadores da Verdade

Definições
Um homem de bem, é alguém que trata o outro como ele gostaria de ser tratado.
O homem generoso é aquele que trata os outros melhor do que ele espera ser tratado.
O sábio é aquele que sabe como ele mesmo e os outros devem ser tratados: de que maneira e em qual medida.
O primeiro exerce uma influência civilizatória.
A ação do homem generoso é do domínio do refinamento e da propagação.
A influência do sábio toca ao “desenvolvimento superior”.
Cada um deveria passar pelas três fases caracterizadas por esses três homens.
Crer que a bondade ou generosidade sejam fins em si mesmo – é talvez uma prova de bondade ou de generosidade. Não é certamente uma atitude fundamentada no conhecimento dos fatos – e isto é o que podemos dizer de menos maldoso e de mais generoso.
À questão: “É melhor ser bom, generoso ou sábio?” só podemos responder:
“Aquele que tem a sabedoria não é mais obcecado pela obrigação de ser “bom”, ou “generoso”. Ele é obrigado a fazer o que é preciso fazer – fazer o necessário.”

Mário Quintana


EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Mario Quintana - A Cor do Invisível

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

"Aquele que está indeciso em começar é lento a agir."

Quintiliano

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar.

Carlos Drummond de Andrade

Nasrudin


Alguns candidatos a discípulos procuraram o mulla,certo dia e pediram-lhe que lhes fizesse uma palestra.
— Muito bem — disse ele —, sigam-me até a sala de conferências.
Obedientes, eles se alinharam atrás de Nasrudin, que montou no burro às avessas, e começou a afastar-se. A princípio, os jovens se sentiram confusos, depois se lembraram de que não deviam contestar o menor gesto do professor. Finalmente, reconheceram-se incapazes de suportar por mais tempo as zombarias dos transeuntes.
Percebendo-lhes o enleio, o mulla se deteve e olhou-os fixamente. O mais atrevido dentre os rapazes aproximou-se:
— Mulla, não compreendemos direito por que o senhor montou nesse burro às avessas.— É muito simples — replicou o mulla.
— Vejam bem, se vocês andassem à minha frente, seria uma desconsideração a mim. Por outro lado, e se eu lhes desse as costas, seria uma desconsideração a vocês. Esse é o único meio-termo possível.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Fernando Pessoa

"Se houvesse na arte o mister de aperfeiçoador, eu teria na vida (da minha arte) uma função...
Ter a obra feita por outrem, e trabalhar só em aperfeiçoá-la... Assim, talvez, foi feita a Ilíada...
Só o não ter esforço da criação primitiva!
Como invejo os que escrevem romances, que os começam, e os fazem, e os acabam! Sei imaginá-los, capítulo a capítulo, por vezes com frases do diálogo e as que estão entre o diálogo, mas não saberia dizer no papel esses sonhos de escrever,"

Livro do Desassossego, 1997:285

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Guimarães Rosa

Gare Saint Lazare, 1877 - Claude Monet - Musée d'Orsay - Paris



"Melhor, para a idéia se bem abrir, é viajando em trem-de-ferro. Pudesse, vivia para cima e para baixo, dentro dele."


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Rainer Maria Rilke - As rosas


Sinto tanto e tão fundo teu
ser, rosa completa,
que ao te receber te confundo
com meu próprio ser em festa.

Eu te respiro como se tu fosses,
rosa, toda a vida
e me sinto o amigo perfeito
de uma tal amiga.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Adélia Prado

No armário do meu quarto escondo
De tempo e traça meu vestido
Estampado em fundo preto.
Eu o quis com paixão
E o vesti como um rito,
Meu vestido de amante...
Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.
É só tocá-lo, valoriza-se a memória guardada,
Eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão.
De tempo e traça meu vestido me guarda.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Marisa Monte - Negro gato



Transbordando sensualidade! Gosto muito tanto da Marisa Monte quanto dos gatos, negros especialmente!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

DA DISCRIÇÃO

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...

Mario Quintana - Espelho Mágico

domingo, 1 de agosto de 2010

Tempo de ipês



A natureza nos brinda, a cada ano, com esse festival de cores e beleza. Sou louca por ipês. Durante algum tempo tive o privilégio de ter uma casa com um ipê branco na calçada. Quando floria, rápido, suas flores caiam sobre o carro que deixava parado sob ele, de propósito é claro! E então eu saia, esparramando as flores que voavam pelo caminho por onde passava. Tinha ainda outro encanto: a piscina se cobria de flores, um gigantesco floral.
Talvez esse seja o resgate de minha infância: no nosso sítio tinha um balanço num tronco de ipê amarelo. O chão coberto de flores e a chuva dourada que caiam enquanto balançava me levavam para um mundo repleto de magia e encantamento.
Hoje, ainda tem ipê
em minha vida. Agora os dois ficam bem em frente da sacada do apartamento em que vivo e, se oferecem radiantes, num espetáculo róseo a cada ano.
Em tupi-guarani, ipê significa árvore de casca grossa. Não é uma dessas árvores que encantam todo o tempo. É preciso o tempo certo para vê-la em todo seu esplendor. Guarda secretamente, seu tesouro para então, florida, espalhar-se, deixando-se conduzir pelos saborosos braços do vento. Esse ritual de transformação, deixando-se desnudar inteiramente para só então cobrir-se de flores, rosas ou brancas ou amarelas, me fascina e tranquiliza. Vem a sensação de que tudo está no lugar certo, perfeita e harmoniosamente fluindo, com o pulsar compassado e rítmico da vida!

Carlos Drummond de Andrade - Tempo de Ipê

Não quero saber de IPM, quero saber de IP.
O M que se acrescentar não será militar,
será de Maravilha.
Estou abençoando a terra pela alegria do ipê.
Mesmo roxo, o ipê me transporta ao círculo da alegria,
onde encontro, dadivoso, o ipê-amarelo.
Este me dá as boas-vindas e apresenta:
- Aqui é o ipê-rosa.
Mais adiante, seu irmão , o ipê-branco.
Entre os ipês de agosto que deveriam ser de outubro
mas tiveram pena de nós e se anteciparam
para que o Rio não sofresse de desamor, tumulto,inflação,mortes.
Sou um homem dissolvido na natureza.
Estou florescendo em todos os ipês.
Estou bêbado de cores de ipês, estou alcançando
a mais alta copa do mais alto ipê do Corcovado.
Não me façam voltar ao chão,
não me chamem, não me telefonem não me dêem
dinheiro,
quero viver em bráctea, racemo, panícula, umbela.
Este é tempo de ipê. Tempo de glória.