quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O monstro verde do ciúme


Estava exultante. Depilada, banhada e perfumada, com uma daquelas maquiagens tão leves que você jura que nada foi feito. Casualmente maravilhosa! Essas coisas que as mulheres fazem antes de sair com um homem a quem querem agradar. Toda aquela série custosa e dolorida, de arranca, puxa, estica na depiladora, complementada com uma passadinha rápida no cabeleireiro, onde um secador aquece não só seus cabelos como também suas idéias, enquanto o profissional mais uma vez, puxa e estica. Segue a isso um banho de horas, limpando e perfumando cada pedacinho do corpo, reentrâncias, contornos, complementado com cremes para amaciar a pele. Mais uma hora tirando e colocando roupas até que finalmente pronta, já a caminho do encontro, recebe a ligação:
_ Fulana, surgiu um imprevisto, um trabalho de ultima hora que preciso entregar.Vamos deixar para amanhã, ok?
Emudece. Rapidamente passa por sua mente as horas gastas, a ansiedade gerada. Quer explodir, mas com voz mansa diz:
- Sem problemas. Amanhã no mesmo horário então. Coragem, bom trabalho.
Contente consigo mesma pela desenvoltura e displicência com que reagiu à situação, resolve ir ao shopping, fazer umas comprinhas, quem sabe uma lingerie nova para o dia seguinte? Afinal, já está no carro mesmo. Põe-se a caminho, faceira.
Então, como quem não quer nada, sorrateiramente, infiltra-se o monstro:_ E se não tiver trabalho nenhum? E aquele som de campainha que ouvi ao fundo, enquanto ele falava comigo? Ah, miserável, é mulher. Tenho certeza! Deve estar com alguma sirigaita qualquer, dessas que vivem se exibindo para ele. Trabalho? Só se for corporal, pensa que sou boba. Ah, mas ele vai ver! Em vão tenta ocupar-se mentalmente com outra coisa. Os pensamentos jorram, com vida própria, invasivos.
Nem se dá conta que já desviou o caminho. Fura sinais vermelhos, correndo para pegá-lo em fragrante. Dirige como uma daquelas pessoas horríveis, que sempre crítica, mudando de fila, cortando aqui e ali, forçando ultrapassagens. Em sua mente sucedem-se cenas. Chega enfim à sua porta. Toca a campainha e ele vem atender. Seu rosto exprime a surpresa de vê-la ali. Vai logo dizendo:
_ Tem mulher aí com você ? Pode falar quem é. Eu ouvi a campainha.
O rosto dele transfigura-se, enraivecido diz:
_ Você vai entrar e olhar tudo. Inclusive o lanche que chegou enquanto eu falava com você e nem comi ainda. Depois vai sair, do mesmo jeito que entrou.
Ai, ai, ai...se dá conta do ridículo da situação. Mas, o que fazer agora? Tentar manter o máximo de dignidade que conseguir, na elegância do salto alto. Entra, olha tudo. Ninguém. Respira fundo e vai embora, pisando duro.
Chega em casa e liga para ele.
_ Você é um monstro desumano. Onde já se viu deixar que eu viesse embora no estado em que me encontrava? E se tivesse batido o carro? Como não me tranqüilizou antes? Nunca mais faça isso comigo! Agora já estou em casa e bem. Boa noite e até amanhã.
Desliga o telefone antes de lhe dar tempo de responder, sentindo o ar enfim voltar aos seus pulmões. E rapidamente liga a televisão para que outros pensamentos ocupem o lugar dos seus em sua mente.
Escrito por Virginia

4 comentários:

  1. Texto fabuloso! Exímia descrição de detalhes. O tom ponderado e comedido de sarcasmo e ironia deu o respaldo humorístico necessário para prender a minha atenção. Bendito seja o monstro verde do ciúme, um mal necessário e, seguimos com nossos anseios, medos, receios e devaneios.

    ResponderExcluir
  2. Fabuloso... o raio do monstro sempre nos reconditos do nosso prnsamento... sempre pronto a saltar e a mostrar a sua cara feia, criando a desordem e a confusao quando menos se espera...

    ResponderExcluir
  3. Texto fabuloso, bem demonstrador que o "monstro verde" esta sempre a espreita nos reconditos do nosso pensamento para, quando menos se espera, mostrar a sua feia face e criar a discordia e a confusao. ..

    ResponderExcluir